Sou exu, assentado nas forças do Sagrado Omulu e sob sua irradiação
divina trabalho. Fui aceito pelo Divino Trono Mehor-yê e nomeadoExua
mais ou menos dois milênios, depois de minha última passagem pela
terra, a qual fui um pecador miserável e desencarnei amarrado ao
ódio, buscando a vingança, dando vazas ao meu egoísmo, vaidade e
todos os demais vícios humanos que se possa imaginar.
Fui senhor de um povoado que habitava a beira do grande rio sagrado.
Nossa aldeia cultuava a natureza e inocentemente fazia oferendas
cruéis de animais e fetos humanos. Até que minha própria mulher
engravidou e o sumo sacerdote, decidiu que a semente que crescia no
ventre de minha amada, devia ser sacrificado, para acalmar o deus da
tempestade. Obviamente eu não permiti que tal infortúnio se abatesse
sobre minha futura família, até porque se tratava do meu primeiro
filho. Mas todo o meu esforço foi em vão. Em uma noite tempestuosa,
os homens da aldeia reunidos, invadiram minha tenda silenciosamente,
roubaram minha mulher e a violentaram, provocando imediato aborto e
com
o feto fizeram a inútil oferenda no poço dos sacrifícios. Meu peito
se encheu de ódio e eu nada fiz para conte-lo. Simplesmente e enquanto
houve vida em mim, eu matei um por um dos algozes de minha esposa
inclusive o tal sacerdote.
Passei a não crer mais em deuses, pois o sacrifício foi inútil.
Tanto que meu povoado sumiu da face da terra, soterrado pela areia,
tamanha foi a fúria da tempestade. Derrepente o que era rio virou
areia e o que areia virou rio. Mas meu ódio persistia. Em meus olhos
havia sangue e tudo o que eu queria era sangue. Sem perceber estava
sendo espiritualmente influenciado pelos homens que matei, que se
organizaram em uma trevosa falange a fim de me ver morto também. O
sacerdote era o líder. Passei então a ser vítima do ódio que
semeei.
Sem morada e sem rumo, mas com um tenebroso exército de homens
odiosos, avançamos contra várias aldeias e povoados, aniquilando
vidas inocentes e temerosamente assombrando todo o Egito antigo. Assim
invadimos terras e mais terras, manchamos as sagradas águas do Nilo de
sangue, bebíamos e nos entregávamos às depravações com todas as
mulheres que capturávamos. Foi uma aventura horrível. Quanto mais
ódio eu tinha, mais eu queria ter. Se eu não podia ter minha mulher,
então que nenhum homem em parte alguma poderia ter. Entreguei-me a
outros homens, mas ao mesmo tempo violentava bruscamente as mulheres.
As crianças, lamentavelmente nós matávamos sem piedade. Nosso rastro
era de ódio e destruição completas. Até que chegamos aos palácios
de um majestoso faraó, que também despertava muito ódio em alguns
dos mais interessados em destruí-lo, pois os mesmos não concordavam
com sua doutrina ou religião. Eis que então fomos pagos para fazer o
que tínhamos prazer em fazer, matar o faraó.
Foi decretada então a minha morte. Os fiéis soldados do palácio, que
eram muito numerosos, nos aniquilaram com a mesma impiedade que
tínhamos para com os outros. Quem com ferro fere, com ferro será
ferido. Isto coube na medida exata para conosco.
Parti para o inferno. Mas não falo do inferno ao qual os leitores
estão acostumados a ouvir nas lendas das religiões efêmeras que
pregam por aí. O inferno a que me refiro é o inferno da própria
consciência. Este sim é implacável. Vendo meu corpo inerte, atingido
pelo golpe de uma espada, e sangrando, não consegui compreender o que
estava acontecendo. Mas o sangue que jorrava me fez recordar-me de
todas as minhas atrocidades. Olhei todo o espaço ao meu redor e tudo o
que vi foram pessoas mortas. Tudo se transformou derrepente. Todos os
espaços eram preenchidos com corpos imundos e fétidos, caveiras e
mais caveiras se aproximavam e se afastavam. Naquele êxtase, cai
derrotado. Não sei quanto tempo fiquei ali, inerte e chorando, vendo
todo aquele horror.
Tudo era sangue, um fogo terrível ardia em mim e isso era ainda mais
cruel. Minha consciência se fechou em si mesma. O medo se apossou de
mim, já não era mais eu, mas sim o peso de meus erros que me
condenava. Nada eu podia fazer. As gargalhadas vinham de fora e
atingiam meus sentidos bem lá no fundo. O medo aumentava e eu chorava
cada vez mais. Lá estava eu, absolutamente derrotado por mim mesmo,
pelo meu ódio cada vez mais sem sentido. Onde estava o amor com que eu
construí meu povoado? Onde estavam meus companheiros? Minha querida
esposa? Todos me abandonaram. Nada mais havia a não ser choro e ranger
de dentes. Reduzi-me a um verme, jogado nas trevas de minha própria
consciência e somente quem tem a outorga para entrar nesta escuridão
é que pode avaliar o que estou dizendo, porque é indescritível.
Recordar de tudo isto hoje já não me traz mais dor alguma, pois muito
eu aprendi deste episódio triste de minha vida espiritual.
Por longos anos eu vaguei nesta imensidão escura, pisoteado pelos meus
inimigos, até o fim das minhas forças. Já não havia mais suspiro,
nem lágrimas, nem ódio, nem amor, enfim nada que se pudesse sentir.
Fui esgotado até a última gota de sangue, tornei-me um verme. E na
minha condição de verme, eu consegui num último arroubo de minha vil
consciência pedir socorro a alguém que pudesse me ajudar. Eis que
então, depois de muito clamar, surgiu um alguém que veio a tirar-me
dali, mesmo assim arrastado. Recordo-me que estava atado a um cavalo
enorme e negro e o cavaleiro que o montava assemelhava-se a um
guerreiro, não menos cruel do que fui. Depois de longa jornada, fui
alojado sobre uma pedra. Ali me alimentaram e cuidaram de mim com
desvelo incompreensível. Será que ouviram meus apelos? Perguntava-me
intimamente. Sim claro, senão ainda estaria lá naquele inferno,
respondia-me a mim mesmo. "-Cale-se e aproveite o alvitre que vosso
pai vos concedeu."- Disse uma voz vinda não sei de onde. O que eu
não compreendi foi como ele havia me ouvido, já que eu não disse
palavra alguma, apenas pensei, mas ele ouviu. Calei-me por completo.
Por longos e longos anos fiquei naquela pedra, semelhante a um leito,
até que meu corpo se refez e eu pude levantar-me novamente.
Apresentou-se então o meu salvador. Um nobre cavaleiro, armado até os
dentes. Carregava um enorme tridente cravado de rubis flamejantes. Seu
porte era enorme. Longa capa negra lhe cobria o dorso, mas eu não
consegui ver seu rosto.
- Não tente me olhar imbecil, o dia que te veres, verás a mim,
porque aqui todos somos iguais.
Disse o homem em tom severo. Meu corpo tremia e eu não conseguia
conter, minha voz não saia e eu olhava baixo, resignando-me perante
suas ordens.
- Fui ordenado a conduzir-lhe e tenho-te como escravo. Deves me
obedecer se não quiser retornar àquele antro de loucos que estavas.
Siga minhas instruções com atenção e eu lhe darei trabalho e
comida. Desobedeça e sofrerás o castigo merecido.
- Posso saber seu nome, nobre senhor?
- Por enquanto não, no tempo certo eu revelarei, agora cale-se, vamos
ao nosso primeiro trabalho.
- Esta bem.
Segui o homem. Ele a cavalo e eu corria atrás dele, como um serviçal.
Vagamos por aqueles lugares sujos e realizamos várias tarefas juntos.
Aprendi a manusear as armas, que me foram dadas depois de muito tempo.
Aos poucos meu amor pela criação foi renascendo. As várias lições
que me foram passadas me faziam perceber a importância daqueles
trabalhos no astral inferior. Gradativamente fui galgando os degraus
daquele mistério com fidelidade e carinho. Ganhei a confiança de meu
chefe e de seus superiores. Fui posto a prova e fui aprovado. Logo
aprendi a volitar e plasmar as coisas que queria. Foram anos e anos de
aprendizado. Não sei contar o tempo da terra, mas asseguro que menos
de cem anos não foram.
Foi então que numa assembléia repleta de homens iguais ao meu chefe,
eu fui oficialmente nomeadoExu. Nela eu me apresentei ao Senhor Omulu
e ao divino trono de Mehor-yê, assumindo as responsabilidades que
todoExudeve assumir se quiser serexu.
- Amor a Deus e às suas leis;
- Amor à criação do Pai e a todas as suas criaturas;
- Fidelidade acima de tudo;
- Compreensão e estudo, para julgar com a devida sabedoria;
- Obedecer às regras do embaixo, assim como as do encima;
E algumas outras regras que não me foi permitido citar, dada a
importância que elas têm para todos os Exus.
A principio trabalhei na falange de meu chefe, por gratidão e
simpatia. Mas logo surgiu-me a necessidade de ter minha própria
falange, visto que os escravos que capturei já eram em grande número.
Por esta mesma época, aquele antigo sacerdote, do meu povoado,
lembram-se? Pois é, ele reencarnou em terras africanas e minha esposa
deveria ser a esposa dele, para que a lei se cumprisse. Vendo o
panorama do quadro que se formou, solicitei imediatamente uma
audiência com o Divino Omulu e com O Senhor Ogum - Megê e pedi que
intercedessem para que eu pudesse ser o guardião de meu antigo algoz.
Meu pedido foi atendido. Se eu fosse bem sucedido poderia ter a minha
falange. Assim assumi a esquerda do sacerdote, que, na aldeia em que
nasceu, foi preparado desde menino para ser o Babalorixá, em
substituição ao seu pai de sangue. A filha do babalawo era minha
ex-esposa e estava prometida ao seu antigo algoz. Assim se desenvolveu
a trama que pôs fim às nossas diferenças. Minha ex-mulher deu a luz
a vinte e quatro filhos e todos eles foram criados com o devido
cuidado. Muito trabalho eu tive naquela aldeia. Até que as invasões e
as capturas e o comércio de negros para o ocidente se fizeram. Os
trabalhos redobraram, pois tínhamos que conter toda a revolta e ódio
que emanava dos escravos africanos, presos aos porões dos navios
negreiros.
Mas meu protegido já estava velho e foi poupado, porém seus filhos
não, todos foram escravizados. Mas era a lei e ela deveria ser
cumprida.
Depois de muito tempo uma ordem veio do encima: "Todos os guardiões
devem se preparar, novos assentamentos serão necessários, uma nova
religião iria nascer, o que para nós era em breve, pois não sei se
perceberam, mas o tempo espiritual é diferente do tempo material.
Preparamo-nos, conforme nos foi ordenado. Até que a Sagrada Umbanda
foi inaugurada. Então eu fui nomeado Guardião à esquerda do Sagrado
Omulu-yê e então pude assumir meu trono, meu grau e meus degraus.
Novamente assumi a obrigação de conduzir meu antigo algoz, que hoje
já está no encima, feito meritóriamente alcançado, devido a todos
os trabalhos e sacrifícios feitos em favor da Umbanda e do bem.
Hoje, aqui de meu trono no embaixo, comando a falange dos ExusCaveira
e somente após muitos e muitos anos eu pude ver minha face em um
espelho e notei que ela é igual à de meu tutor querido o Grande
SenhorExuTatáCaveira, ao qual devo muito respeito e carinho. Não
confundamExuCaveira, comExuTatáCaveira, os trabalhos são
semelhantes, mas os mistérios são diferentes. TatáCaveiratrabalha
nos sete campos da fé;Exucaveiratrabalha nos mistérios da
geração na calunga, porque é lá que a vida se transforma, dando
lugar à geração de outras vidas, mas não se esqueçam que há sete
mistérios dentro da geração, principalmente a Lei Maior, que comanda
todos os mistérios de qualquerExu. Onde há infidelidade ou
desrespeito para com a geração da vida ou aos seus
semelhantes,ExuCaveiraatua, desvitalizando e conduzindo no caminho
correto, para que
não caiam nas presas doloridas e impiedosas do Grande Lúcifer-Yê,
pois não desejo a ninguém um décimo do que passei. Se vossos atos
forem bons e louváveis perante a geração e ao Pai Maior, então
vitalizamos e damos forma a todos os desejos de qualquer um que queira
usufruir dos benefícios dos meus mistérios. De qualquer maneira, o
amor impera, sim o amor, e por queExunão pode falar de amor? Ora se
foi pelo amor que todoExufoi salvo, então o amor é bom e o respeito
a ele conserva-nos no caminho. Este é o meu mistério. Em qualquer
lugar da calunga, pratique com amor e respeito a sua religião e
ofereça velas pretas, vermelhas e roxas, farofa de pinga com miúdos
de boi. Acenda de um a sete charutos, sempre em números ímpares e
aguardente. De acordo com o número de velas, se acender sete velas,
assente sete copos e sete charutos, assim por diante. Agrupe sempre as
velas da mesma cor juntas e forme um triângulo com o vórtice voltado
para si, as velas roxas no vórtice, as pretas à esquerda e as
vermelhas à direita, simbolizando a sua fidelidade e companheirismo
para conosco, poisExuCaveiraabomina traição e infidelidade, como,
por exemplo, o aborto, isto não é tolerado por mim e todos os que
praticam tal ato é então condenado a viver sob as hostes severas de
meu mistério. Peça o que quiser com fé, e com fé lhes trarei, pois
todos os ExusCaveirasão fiéis aos seus médiuns e àqueles que nos
procuram.
A falange de ExusCaveirapertence à falange do Grande TatáCaveira,
que é o pai de todos os Exus assentados à esquerda do Divino Omulu,
os demais não posso citar, falo apenas do meu mistério, pois dele eu
tenho conhecimento e licença para abrir o que acho necessário e
básico para o vosso aprendizado, quanto ao mais, busquem com vossos
Exus pessoais, que são grandes amigos de seus filhos e certamente
saberão orientar com carinho sobre vossas dúvidas. Um último detalhe
a ser revelado é que todos os que têmExuCaveiracomoExude
trabalho ou protetor, é porque em algum momento do passado, pecaram
contra a criação ou à geração e ambos, protetor e protegido tem
alguma correlação com estes atos errôneos de vidas anteriores.
Tenham certeza, se seguirem corretamente as orientações, com trabalho
e disciplina, o mesmo que sucedeu com meu antigo e grande sumo
sacerdote, sucederá com vocês também, porque este é o nosso desejo.
Mais a mais, se umExude minha falange consegue vencer através de seu
médium ou protegido, ele automaticamente alcança o direito de sair do
embaixo e galgar os degraus da evolução em outras esferas.
Que o Divino Pai maior possa lhes abençoar e que a Lei Maior e a
Justiça Divina lhes dêem as bênçãos de dias melhores.
Com carinho
SenhorExuCaveira.
No meu nome Sagrado Râmires Neffértiz III